19 Abril 2024, Sexta-feira
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“A regionalização é um bom caminho e não é estranha aos portugueses”

NUNO MIGUEL COSTA Presidente da Junta de Freguesia de S. Sebastião

Autarca comunista defende a criação das regiões administrativas por serem um “patamar importante” na distribuição de competências do Estado. Sobre a política local, que considera “muito estável”, não acha que a maior freguesia de Setúbal tenha razões de queixa do município

 

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Luís de Deus (Texto)
José Luís Andrade (Imagem)

S. Sebastião é hoje uma freguesia mais bonita e mais humanizada, defende o autarca do PCP que vai no segundo mandato como presidente da Junta.

Nuno Costa destaca a intervenção da Câmara e da Junta, que envolve directamente as populações dos bairros na tomada de decisões.

Professor de carreira, de Física e Química ,aos 40 anos, Nuno Miguel Costa considera-se um filho da terra que administra, mas isso não significa que venha a optar por uma recandidatura a um terceiro mandato.

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Descobriu há pouco tempo outro talento, tocar clarinete na Capricho Setubalense.

 

Está no executivo da junta há 11 anos. Que grande diferença destaca na freguesia?

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É uma freguesia que actualmente tem um espaço publico incomensuravelmente melhor do que há uns anos atrás. Foi levada a cabo com muito êxito a requalificação por parte dos executivos da Câmara de Setúbal e da Junta de Freguesia e destaco a melhoria da acessibilidade e da mobilidade, mas também em áreas de lazer, construção de parques verdes e lúdicos ou campos de futebol. Temos também uma freguesia muito mais humanizada, porque conseguimos contar com aquilo que é a sua melhor característica: a diversidade cultural, que é um bem para todos em termos de participação das pessoas e não um problema como era no passado. Isso para mim é uma alegria tremenda.

 

No recente aniversário da freguesia (465 anos) disse que S. Sebastião está mais inclusiva, solidária e humanizada. Como fundamenta isso?

Temos agido no sentido, com ajuda de programas municipais com os quais a freguesia está de corpo e alma, de “provocar” a organização popular, para que todos possam construir as suas condições de vida. Está mais humanizada, não numa lógica assistencialista, mas para que o cidadão juntamente com os outros, as autarquias e outros que queiram participar neste movimento, construam melhores condições de vida. Isso por vezes consegue-se com a construção de um espaço verde, com organização de férias, com a pintura de um prédio, de um torneio de futebol, etc. Mas têm que ser as próprias pessoas a manifestarem o que querem e a construírem o seu futuro. Isso faz com que as pessoas ganhem sentido de pertença, autoestima, orgulho no espaço onde habitam e faz também com que as redes de vizinhança sejam muito mais fortes do que eram aqui há uns anos.

“A Estrada de Santas precisa de ser requalificada e há um projecto municipal que não inclui apenas o piso”

Conseguiu-se mais paz social na freguesia, uma vez que havia zonas de conflito?

O ganho é tremendo! Devo dizer que às vezes isso não era efectivo, era uma imagem associada a determinados territórios que é preciso combater. As próprias autarquias e organizações tiveram que alterar as perspectivas de trabalho para melhor intervirem nesses territórios. Foi conseguido através de participação efectiva, comissões de moradores, gente de facto disponível para trabalhar em conjunto.

 

Essa participação dos moradores nas escolhas para os seus territórios, pode ir mais longe através dos orçamentos participativos?

Às vezes esses orçamentos são uma ilusão, porque têm a ver com as pessoas que participam e de que território são… Quando as decisões são construídas com os destinatários dessas decisões, não há mais participação efectiva que essa. Leva mais tempo. Prefiro por exemplo que uma comissão de moradores seja chamada a intervir e ser ouvida numa determinada obra, do que numa votação de um orçamento participativo. Porque há no primeiro caso uma participação construtiva e continuada de uma decisão.

 

Em 2011 dizia que as medidas do governo PSD/CDS-PP eram de “ajuste de contas” com o Poder Local. E as políticas deste Governo?

Nos últimos tempos têm existido alguns ganhos no que diz respeito à autonomia do Poder Local. Os orçamentos de Estado permitiram um reforço ainda que tímido, como por exemplo na contratação de trabalhadores, sobretudo para as autarquias que não tinham dividas. Houve um alívio desta visão de que o Estado central tem que decidir tudo. Mas existem limitações, sobretudo às freguesias, que é a questão financeira, porque não foi cumprida ainda a Lei das Finanças Locais. É um problema de subfinanciamento crónico. Não existem dividas das juntas de freguesia, mas falta o financiamento cabal daquilo que são as atribuições e competências destas autarquias. Com esse ganho, as populações veriam as suas condições de vida melhoradas. Há diferenças entre os governos: um tirou, o outro acabou por dar timidamente qualquer coisa, quer na autonomia quer nalguns acréscimos nos orçamentos das freguesias. Mas este Governo escolheu um caminho completamente inverso ao do anterior. Há uma proposta feita à Associação Nacional de Municípios Portugueses e à ANAFRE, para que se inicie esse processo da Lei das Finanças Locais em 2021, mas isso não faz qualquer sentido, é atirar para as calendas gregas. Nessa altura haverá porventura outra realidade política no plano autárquico e de certeza que será outro governo, embora com os mesmos protagonistas.

Foi coordenador distrital da ANAFRE e é agora dirigente nacional. O que devem dizer as freguesias do distrito no plano nacional; o que as diferencia das demais?

Todas são associadas na ANAFRE, excepto uma, para nos é uma satisfação muito grande. Estamos alinhados com as posições a nível nacional da ANAFRE, como por exemplo a reposição das juntas onde as populações e os autarcas assim o desejam. Não se trata de regressar à situação anterior. A Assembleia da República já não pode criar novas freguesias, mas trata-se agora de resolver o problema e de repor nos territórios onde for essa a vontade local. Alem disso, como já referido, a questão das competências, do financiamento. Temos que sair deste limbo, ou as competências passam para as freguesias com financiamento próprio ou então ficam só nos contratos inter-administrativos.

 

E os maiores desafios?

São esses e tem que ser pensadas as competências em cada um dos níveis da Administração do Estado, mas não é fácil. Estão por criar as Regiões Administrativas que estão na Constituição da República, seriam um patamar importante no domínio das competências.

“Há diferenças entre os governos: um tirou, o outro acabou por dar timidamente qualquer coisa”

A regionalização seria o caminho…

Seria um bom caminho e temos um exemplo com as autonomias dos Açores e da Madeira. Não é uma coisa “estranha” à população portuguesa.

 

A política de transferência de competências municipais para as freguesias em Setúbal tem sido boa e justa?

Tem sido justa e de uma forma notável e isso permitiu a requalificação do espaço público e a resolução de largas centenas de problemas com impacto directo na vida das pessoas.

 

A Freguesia de S. Sebastião (53 mil habitantes) é a maior do concelho, mas há mais obra municipal visível noutras partes da cidade. Não tem razão de queixa?

Não temos razões de queixa. Existe muita obra municipal em São Sebastião, mas que como não são no centro acabam por não ter impacto que as obras noutros lados têm. Há obras absolutamente históricas que resolvem problemas com décadas. Há em curso duas obras no Bairro Nª Srª da Conceição, no Bairro Santos. São obras de requalificação e regeneração urbana. Há intervenções em jardins, são quatro obras grandes municipais que servem directamente as populações. Mas é evidente que estamos a trabalhar com o município para resolver outros problemas, sabendo que nem tudo se pode resolver ao mesmo tempo.

Por exemplo, a saída/entrada da freguesia das Manteigadas para o lado da Freguesia do Sado, está em mau estado. Ou não concorda?

Sim, a Estrada de Santas precisa de ser requalificada, mas há um projecto do executivo municipal que não inclui apenas o piso, há também a questão dos passeios, é preciso construir a infraestrutura das aguas pluviais dos passeios. No ano passado foi construída uma conduta de esgotos na zona e não se ia avançar para a repavimentação porque isso ia esventrar aquele eixo viário. Essa conduta de esgotos foi caríssima e as pessoas estão a fazer a ligação à mesma.

A seguir virá a repavimentação da estrada e construção dos passeios. Tudo isto obedece a algum planeamento. E não se faz tudo de uma assentada, são obras de valor muito elevado.

“Prefiro que uma comissão de moradores participe numa determinada obra, do que num orçamento participativo”

Este crescimento económico a que estamos a assistir, mercê da reposição de rendimentos e outros benefícios sociais e maior oferta de emprego, tem estado a beneficiar a freguesia?

Sente-se muito. Não tenho dados objectivos, a criação liquida de emprego aumentou, mas também sabemos que muita gente acabou por emigrar ou regressar aos seus países de origem. Diariamente sente-se essa melhoria. Tem sido evidente, mas é preciso fazer mais e ainda bem que foi possível experimentar esta nova perspectiva porque estávamos presos a uma lógica de que para cumprir os deveres do defice tínhamos que retirar rendimentos às pessoas. Agora, é preciso aplicar o dinheiro no sítio certo.

Como vê a situação político-partidária do concelho?

(Risos) é muito estável! Nas últimas eleições os setubalenses fizeram uma coisa rara: após 16 anos com uma determinada força partidária, foram mais eleitores às urnas, para dizerem que acreditam no projecto político que está em curso. Geralmente ao fim de tantos anos, existe algum desgaste, mas fruto destes processos de participação – que não dão grandes “titulos”, a verdade é que há mais gente a acreditar na sua vida para melhor. Não só mais eleitores a votar, mas maiorias absolutas estáveis.

 

Este é o seu segundo mandato como presidente da junta. Tenciona candidatar-se ainda ao terceiro ou admite sair para outras batalhas eleitorais que o seu partido lhe venha a pedir?

Eu só tenho uma certeza quanto a isso: desejo e voltarei ao ensino, mas não sei quando. Na minha vida de militante estive sempre disponível para os desafios que me foram colocados, gosto muito do trabalho que faço na freguesia, de proximidade, que permite que o tempo de planeamento e execução seja muito curto. Cresci nesta freguesia e estou a resolver problemas que conheci desde sempre. Dá-me muito prazer olhar para o trabalho que está a ser feito e por fazer. Mas é muito prematuro falar dessas opções, mesmo sabendo que as decisões em política são por vezes muito voláteis.

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