19 Abril 2024, Sexta-feira
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Reportagem | A JÓIA EMBALADA PELO TEJO

Retrato de bordo em viagem ao maior estuário da Europa Ocidental para assinalar o Dia Mundial do Turismo e apresentar o projecto cultural ‘Fado ConVida’. O hotel programado, o receio da chegada do aeroporto, o segredo da gastronomia local e o brilho de uma pérola realçado por flamingos e até cavalos

 

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FOTOS ARSÉNIO FRANCO

 

Sexta-feira, 27 de Setembro. Uma da tarde em ponto. O suave estalar de salpicos em pequenas embarcações, que bailavam ao sabor da verde maré que ainda ia enchendo, despertava a audição. O Sol brilhante, a rasgar o azul de um céu imaculado, acariciava o multicolorido Bote Leão – embarcação típica do Tejo –, atracado no final da Ponte Cais. Um rio de distância a separar margens e Lisboa lá estava definida no horizonte com a Vasco da Gama a sobressair, como se de uma tela pintada a fresco se tratasse. Enchiam-se os olhos. Apetecia desfrutar, inspirar, expirar e até… mergulhar. Mas o propósito era outro: embarcar no “Rei dos Nordestes” e desbravar Tejo até zona protegida, em viagem programada pela Câmara Municipal de Alcochete para assinalar o Dia Mundial do Turismo e, em simultâneo, proceder ao lançamento do Festival Fado ConVida, que irá animar o centro histórico da vila a 12 e 13 de Outubro.

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Pelas costas ficara a traça arquitectónica bordejada pela riqueza do rio, decorado por dezenas de pequenas embarcações que iam saltitando com a ligeira agitação desse Tejo prestes a acordar, num cenário de perfeita harmonia e beleza inquestionável.

Alcochete é linda!

Brum, brum, brum. O som “metálico” corta o equilíbrio, é inconfundível – toca a largar cabos que está na hora de zarpar –, e os 36 passageiros despertam para o ligar do motor do Bote Leão, que vai começar a sulcar as entranhas do Tejo.

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Já se navega e as gaivotas pousadas em vários barcos por ali dispersos apenas torcem o “pescanhoço” à passagem do “Rei dos Nordestes”, mas como que a dar boas-vindas, habituadas que parecem estar à presença humana, mostrando-se pouco intrigadas. Sem medos.

A beleza de Alcochete plantada à beira do rio

A rota decorre em paralelo à costa, rumo à Praia dos Moinhos e o verde arbóreo que intercala a maioria do branco habitacional faz-se notar, antes de o amarelado areal da zona balnear irromper no campo de visão.

E Alcochete é linda!

Vasco Pinto, vereador responsável pelo pelouro do Turismo, que serviu de cicerone durante a jornada, esboça um sorriso perante a constatação e reforça a panorâmica já mil vezes absorvida.

A beleza arquitectónica devidamente harmonizada com este património ambiental transporta-nos para aquela que é a riqueza identitária da vila”, resume o autarca que também detém a pasta da Cultura.

Hotel do Grupo Riberalves deve avançar nas antigas secas do bacalhau

Eis as edificações, em formato cilíndrico – interrompido pelo cone das coberturas –, que já ‘foram’ mais moinhos do que o são hoje em dia, espaçadas uma a seguir à outra, em plena praia, a serem ultrapassadas enquanto o Bote Leão mantém o ritmo em trajectória paralela à orla costeira.

A Ponte Vasco da Gama vai “crescendo” e surge agora a zona das antigas secas do bacalhau.

“Para aqui está perspectivado um hotel do Grupo Riberalves”, lembra o vereador, admitindo que o projecto já conheceu avanços e recuos – as expectativas, porém, voltaram a ser animadoras.

Antigas Secas do Bacalhau onde deverá nascer um hotel

O ponto de situação é arrumado pela viragem a estibordo para inversão do sentido de marcha, com o canal da ponte das enguias marcado como destino. Mas sem GPS.

“É preciso ver esta alma de raiz que Alcochete tem”, ouve-se a alguém no seio do grupo que, além da equipa de reportagem de O SETUBALENSE, engloba, entre os convidados, representantes de operadores ligados ao turismo da natureza, patrocinadores do Festival Fado ConVida, turistas franceses hospedados em alojamentos locais, alunos do curso profissional de Turismo Ambiental e Rural na Escola Secundária de Alcochete e ‘staff’ autárquico.

Cuidado com o pitéu e adeus ao plástico

Entretanto, já se passa pela casa de partida (Ponte Cais, subentenda-se) e a grande vela continua por desfraldar, amarrada ao imponente mastro. É o motor que faz as despesas da deslocação do Bote Leão.

A brisa apetecível complementa a sombra garantida por guarda-sóis “gigantes” de tom escuro de vermelho.

A mesa rectangular acolhe a toalha de padrão axadrezado com as cores do Benfica e carrega moscatel da região e fogaças – iguaria tradicional local –, enquanto não é servido o almoço confeccionado no restaurante Barrete Verde.

Vasco Pinto salientou a “O Setubalense” as potencialidades turísticas do território alcochetano

Ups! A amena cavaqueira entre convidados é surpreendida por um estrondo, provocado pelo tombo de um recipiente alto para depósito de lixo e motiva reacção.

“Olha lá o nosso pitéu”, alerta quem sabe dar devido valor à tradicional caldeirada à fragateiro, que só mais tarde saltaria dos panelões para os pratos de cartão para ser devorada (nalguns casos em dose dupla) com recurso a talheres de madeira. Pois é, a era do plástico… já era, agora que o planeta não aguenta mais.

O verde da vegetação oferece-se como elemento dominador na margem costeira, à medida que se avança em direcção ao Sítio das Hortas.

O cinzentismo de uma construção em ruínas e o laranja da estrutura de um e logo de outro prédio, que estão a nascer, emergem, mas num ápice voltam a dar lugar à principal cor do Sporting e da esperança.

E Alcochete é linda!

Medo do aeroporto pelos flamingos e uma manada de cavalos na recepção

O destino aproxima-se. O ar puro que emana em plena pérola do Estuário do Tejo convida a arregalar os pulmões e é sinal da vitalidade do ecossistema preservado.

“Olhem ali flamingos”, observa Vasco Pinto. E todos erguem-se repentinamente, como que projectados por uma mola.

Os flamingos descolaram e atraíram as atenções de todos que seguiam a bordo

Às dezenas levantam voo e o rosado que dobra as asas bordadas a negro confere às aves brancas de pernitas alongadas um brilho especial.

“Esta é uma mais-valia do território e até do desenvolvimento turístico local”, sublinha o autarca, que admite temer uma eventual desertificação da espécie com a vinda do aeroporto para o concelho vizinho do Montijo.

“O meu medo é esse. Esperemos que as medidas mitigadoras salvaguardem a preservação desta nossa riqueza”, afirma.

Finalmente o canal da ponte das enguias. O destino é alcançado. Com uma surpresa digna de figurar em película de um qualquer “western”. Uma manada de cavalos, castanhos, escuros, clarinhos e brancos, qual comité de boas-vindas, desfila alegre e tranquilamente rente à margem, fitando com olhar doce e “orelhaças” em pé as alminhas que se aproximam pelo leito do rio. Abanam as caudas, vaidosos, sabem mostrar-se altivos, apesar de alguns parecerem algo magricelas, e começam a relinchar, numa espécie de tentativa de estabelecimento de contacto.

Alcochete é linda!

Alguns dos cavalos que surgiram a dar as “boas-vindas” à passagem do Bote Leão

O fotógrafo “glutão”, os “franciús” deliciados e o segredo da receita

O motor é desligado. Todos sabem que é chegada a hora de “afiar o serrote”. Calma que a caldeirada preparada pelas mãos da dona Mariana Rosa estará no ponto, como sempre, para deleite do grupo e, em particular, de Arsénio Franco, que está que nem pode, ansioso por deitar a luva aos talheres e cravar as dentuças no manjar dos deuses.

“Isto é bom, pá! A comida feita no Barrete Verde é deliciosa”, avisa, depois de ter registado através da objectiva profissional, com a incomparável arte que lhe é reconhecida, todos os pormenores da viagem para ilustrar a reportagem. Grande verdade, o aviso, mas que há muito é do conhecimento público.

O pitéu começa a ser servido, porém o “prato principal” do passeio turístico virá depois, quando Matilde Cid puxar pela voz – sem que esta lhe doa – para interpretar quatro fados e proporcionar um cheirinho do que irá acontecer no festival promovido pela autarquia.

Venha de lá então a abençoada caldeirada à fragateiro, que o mestre da fotografia “está em pulgas”. Ainda assim não consegue perder a etiqueta e passa o primeiro prato que lhe chega às mãos ao escriba. A retribuição será feita depois, quando chegar a hora da sobremesa.

“Espera pelo arroz doce, que vais ver. Não gostas? Mas já provaste? Olha lá, manda vir na mesma”, diz o boca doce, deixando implícito que reservara espaço para a guloseima destinada ao camarada. Soube-lhe tão bem que nem pestanejou a enfardar. Adeus etiqueta.

O repasto foi de sonho e mereceu elogios dos presentes – os franciús até apontavam para a boca e levantavam o polegar.

Mariana Rosa e a tradicional caldeirada à fragateiro que preparou no restaurante Barrete Verde

“O segredo? É gostar do que se faz, darmos o melhor de todos nós. Depois é sentir a alegria das pessoas que no final nos vêm agradecer no restaurante e que nos motivam a continuar”, revela Mariana Rosa, “matriarca” da família que gere o restaurante Barrete Verde.

Para o filho, João António, 44 anos, a razão do êxito das receitas, como a da caldeirada apresentada, encontra explicação simples e reflexo na riqueza gastronómica local.

“Isto é Alcochete. Estando entregue às mãos da dona Mariana está nas mãos de Deus”, afiança, por entre sorrisos de orgulho.

O vereador, a fadista e os ‘casórios’

Pára tudo. Tempo agora para a acção promocional do festival que vai acontecer no final da próxima semana, no núcleo histórico da vila ribeirinha. Nada melhor, para o efeito, do que uma demonstração ao estilo “dois em um” – funcionando como “aperitivo” da iniciativa cultural agendada e, simultaneamente, como “digestivo” da refeição típica local, que fez disparar o sentido do paladar. Silêncio que se vai cantar o fado.

Vasco Pinto apresenta Matilde Cid – um dos nomes que integram o cardápio artístico do evento – e faz uma revelação curiosa, que ilustra as voltas que o mundo dá.

“Faço hoje cinco anos de casado e a Matilde, que já conheço há bastante tempo, comemora 11 [de casada] neste mesmo dia. Foi ela que foi cantar ao meu casamento. E hoje estamos aqui. Lançou um álbum há poucas semanas e vai estar no Fado ConVida”, assinalou o autarca, antes de passar a palavra à artista.

“Alcochete é uma terra onde se sente grande amor pelo fado. Acredito que o festival será um sucesso”, vaticinou a jovem cantora, que foi acompanhada à viola por Pedro Saltão e à guitarra portuguesa por António Martins.

O bonito timbre da voz abraçou o trinar da guitarra, a par da viola, acrescentando magia ao momento e reforçando a marca identitária alcochetana, sobretudo quando houve interpretação com dedicatória à forcadagem. Olé!

Matilde Cid, que vai estar no Festival Fado ConVida, cantou e encantou

O regresso inicia-se. Novo bando de aves, que não os amigos flamingos, “solta amarras” e parece desafiar a embarcação para uma corrida lado a lado que sabia não poder perder. O turbilhão de asas a bater até se faz ouvir, a romper o horizonte, e ninguém fica indiferente. Aves – 1, Homem – 0. A desforra fica para a próxima.

Com a maré mais subida, o som da proa a cortar as águas rivaliza com a cadência do motor da embarcação. Os salpicos refrescam a face dos que não se protegem e a brisa não se quis ficar atrás aumentando de intensidade, mas continua saborosa.

E Alcochete é linda!

Na popa, desfrutou-se da vista ao lado do homem do leme

Grande parte do grupo invade a popa do Bote Leão para apreciar o esplendor da vista. Eleva-se a espuma das águas do rio e está feito o baptismo da viagem.

“É bom. É aguinha do Tejo”, atira Matilde Cid, sem desarmar sentada na borda da embarcação.

Ponte Cais à vista, à hora marcada (16h00 em ponto). Acostagem concluída e, como diria alguém que já partiu, “Alcochete é Alcochete, o resto é paisagem”.

 

Fado ConVida traz oito artistas

O autarca, que também tem a pasta da Cultura, apresentou o festival que irá animar o centro histórico da vila

Após o almoço, Vasco Pinto reforçou os motivos da realização da iniciativa a bordo do Bote Leão: assinalar “duas datas importantes”, o Dia Mundial do Turismo e o Festival Fado ConVida, que se realizará nos dias 12 e 13 de Outubro.

O evento vai decorrer em dois palcos distintos, um no Largo São João e outro no Largo António Santos Jorge, adiantou o autarca. Bruno Chaveiro, António Pinto Basto e Sara Correia, com Cláudia Pascoal, actuam no primeiro dia. Ângelo Freire, Matilde Cid e Ricardo Ribeiro, com Diego El Gavi, actuam no segundo dia. Mas haverá ainda a possibilidade para outros – fadistas da terra – subirem a palco, acrescentou o vereador.

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