20 Abril 2024, Sábado
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Pandemia abriu ponte que veio dar mais relevo à Língua Gestual Portuguesa

Dina, Miguel e Paulo consideram existir muitas melhorias, mas ainda muito há por fazer para ‘ouvir’ quem não ouve

São mulheres e homens cujas necessidades parecem ter sido descobertas apenas quando, na sequência da situação pandémica, começaram a surgir mais frequentemente nos meios televisivos intérpretes da Língua Gestual Portuguesa. Dina Oliveira, Miguel Santos e Paulo Formiga, trabalham na Câmara Municipal do Seixal, e fazem parte da comunidade de surdos.

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Com o auxílio de Teresa Miranda, técnica superior na mesma autarquia, e especializada em língua gestual, estes três trabalhadores dão a saber a O SETUBALENSE que “as coisas melhoraram bastante, embora haja ainda muito a fazer. Actualmente, por exemplo, já podemos comunicar com a urgência médica através de uma vídeo chamada. A Federação Portuguesa das Associações de Surdos também pôs intérpretes à nossa disposição. Seja como for, não sentimos que nos possamos mover livremente, continuam a existir muitos obstáculos, muitos bloqueios”.

A ausência de audição apurou-lhes outros sentidos, como a visão e o olfacto. Diga-se que o seu organismo é mais sensitivo. “Eu ponho o telemóvel em modo de vibração, quando vou dormir, e se ele vibrar acordo imediatamente”, explica Dina Oliveira.

Surdos também vão a concertos

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Todavia, o que sentem perante música, ou o barulho do mar, ou o riso que lhes são silenciosos? “Eu vou a concertos, chego-me à frente o mais possível e sinto os batimentos da música com o corpo todo. No carro, ponho também a música o mais alto que posso. Quanto ao mar, na verdade não o ouço, mas compenso esse desgosto com o cheiro a maresia, o vento, a visão do imenso azul…”, refere Miguel Santos.

Paulo Formiga, no entanto, tem outro entendimento. “Sentir só os batimentos não me chega, falta-me o encanto da música, e isso põe-me triste e ansioso. Compenso viajando, passeando, conhecendo outras pessoas”, revela. Mas também lamenta: “A sensibilização para os nossos problemas chegou muito tarde. Repare-se que o 112 só tem intérpretes desde há um ano e o Serviço Nacional de Saúde, só depois da Covid-19 ter imposto essa exigência. A mim parece que tudo demorou muito”.

Luís conta o que lhe aconteceu quando tinha quatro ou cinco anos, vivia então com os pais na Madeira. “Queriam por força que eu falasse, queriam obrigar-me a falar, ralhavam-me e batiam-me, chegavam a puxar-me pela língua”.

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Todos eles praticam desporto: ela, atletismo; eles, futsal. Expressam que “antigamente, o trabalho na Câmara do Seixal era complicado, era-nos preciso muito esforço para colher qualquer informação de que precisávamos. Os nossos companheiros não se esforçavam lá muito, ou não sabiam o que fazer. Mas, desde há quatro ou cinco anos a esta parte, tudo se alterou profundamente neste capítulo. Até acham piada comunicar em mímica, seja numa reunião, no grupo de trabalho ou até no futebol”.

Diana concorda e acrescenta que “sim, há mais facilidade em oralizar, e isso sente-se principalmente no desporto, com os abraços e as comemorações. Aí há uma real confraternização”.

A Associação de Surdos do Concelho do Seixal existe desde 1999, e Diana, Paulo e Miguel ocupam cargos directivos nesta estrutura. “A nossa associação tem como fim promover convívios e encontros, procurando quebrar o isolamento social que afecta determinados associados. Organiza actividades ao ar livre, caminhadas pela montanha, entre outras acções. Isto funciona para preservar a saúde mental, promover o contacto com a sociedade e ultrapassar barreiras. É bom sentir que as pessoas se aproximam de nós!”, referem com entusiasmo.

O que interessa é o amor

Quanto ao relacionamento com as suas companheiras ou companheiros, Miguel Santos confessa que teve uma parceira ouvinte, “mas as coisas não correram da melhor maneira. Com a minha actual companheira, surda como eu, a vida é mais fácil”. Paulo Formiga contrapõe e garante “não” achar diferença. “O que interessa é haver amor e comunhão de interesses. A minha ex-mulher era ouvinte, embora soubesse língua gestual”.

No caso de Dina Oliveira teve uma ligação com um ouvinte, “mas sentíamos dificuldades de comunicação. Não correu bem, é claro. Não posso falar com base na experiência, porque só me liguei a sério com esse ouvinte”.

Um surdo é surdo, não surdo-mudo

Há língua gestual e não linguagem gestual. E um surdo é surdo, não surdo-mudo, como tantas vezes se houve e lê.

A Língua Gestual Portuguesa (LGP) tem origem na Língua Gestual Sueca e não na língua oral portuguesa.

“A estrutura da LGP é bem diferente da do português. A ordem natural da frase é sujeito-objecto-verbo ou objecto-sujeito-verbo. As frases interrogativas ou declarativas identificam-se com elementos não manuais, como o arquear das sobrancelhas ou movimento dos ombros, por exemplo”, explica a intérprete de Língua Gestual Portuguesa Teresa Miranda.

Por José Augusto

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