20 Abril 2024, Sábado
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A última olaria de Setúbal está viva e de portas abertas

Joaquim Mateus herdou do pai os ensinamentos e a olaria que hoje é a única a funcionar na cidade, à vista de todos. Os filhos já não lhe seguiram as pisadas, mas é com a ajuda de dois irmãos que mantém vivo este ofício antigo transformador do barro em peças utilitárias, ou decorativas, únicas

 

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Joaquim Mateus recorda como há 50 anos o barro chegava à olaria do seu pai, que surge de pé numa já apagada fotografia a preto e branco pendurada na parede do fundo do armazém. Alinhados no murete que dá acesso à olaria, o pai surge à direita acompanhado de um sócio, do seu irmão mais velho e de mais dois oleiros, descreve Joaquim, de dedo apontado para a imagem. Em primeiro plano, vê-se “o carroceiro que ia buscar lenha e barro” para abastecer a olaria, que funciona num armazém centenário, no número 34 da Rua António José Baptista, em Setúbal, desde 1960.

“É a única olaria” ainda em funcionamento na cidade, afirma Joaquim. Não que isso lhe traga qualquer estatuto, antes razões para lamentar o estado a que chegou este ofício, em tempos muito dinâmico, e que hoje obriga quem nele trabalha a fazer de tudo para subsistir. Mas, graças ao apoio da família e a tudo o que herdou do pai (que o deixou com 94 anos em setembro do ano passado), Joaquim tem conseguido manter a olaria de Setúbal de portas abertas – e bem activa, ou não houvessem, felizmente, encomendas para despachar.

ALEX GASPAR

A família sempre esteve presente no seu percurso de vida, conta Joaquim, e as paredes de pedra do gigante armazém da olaria guardam histórias e memórias felizes. Por exemplo, desde os tempos em que, com 13 anos, saía das aulas para ir ajudar o pai, Francisco Maria Mateus. “O meu pai é que fundou esta olaria em 1960. O meu avô já tinha uma olaria em Santo Ovídio e o meu bisavô também já tinha tido uma na zona de Serpa”, conta. “Hoje tenho 61 anos, é uma vida no meio do barro”, apercebe-se o oleiro enquanto discorre sobre o seu percurso de vida.

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Depois, Joaquim seguiu os estudos, cursou Economia em Lisboa e, mesmo assim, não eram raros os dias em que saía “a correr para ir lá abaixo apanhar o autocarro para Lisboa”. Semana sim, semana não, ia buscar barro a uma barreira nos Brejos do Assa e ramas de eucalipto e pinheiro para servirem de lenha para o forno de cozer as peças (hoje o forno que utilizam é eléctrico). “Sentia-me na obrigação de ajudar o meu pai, que me estava a suportar os estudos em Lisboa”, justifica.

ALEX GASPAR

O irmão mais velho e a irmã desde sempre o ajudaram. Ela, “mais na parte da pintura” por ter mais sensibilidade para os minuciosos desenhos. E ainda hoje eles lá estão, na olaria, assim como Manel, um homem que “morava nas redondezas”, aprendeu tudo com o pai de Joaquim e ficou ali a trabalhar. É ele, por estes dias, que coloca as mãos no barro, moldando-o na roda de oleiro eléctrica. Antigamente eram cinco rodas, todas a pedal.

Joaquim Mateus explica que “na olaria não se começa por aprender a fazer a loiça, aprende-se a amassar o barro”, ou seja, a “transformar o barro bruto – que chega das barreiras em torrão – numa massa homogénea”, molhando-o dentro de um tanque. Uma vez que tenham aprendido a moldar o barro, os aprendizes passam então para a roda de oleiro, onde a peça, efectivamente, ganha o formato final antes de ser posta a secar ao ar e ir ao forno a temperaturas que podem chegar aos mil graus celcius.

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ALEX GASPAR

Os anos 1980 foram “uma época áurea” para o negócio. O barro que utilizavam era melhor que o da concorrência e os clientes, reconhecendo qualidade, “é que faziam os preços”. Da olaria e de outro espaço de fabrico que tinham em Lagameças saíam alcatruzes (potes que os pescadores usavam antigamente como armadilha para a apanha do polvo), alguidares (com que muitos amassavam a massa para as filhoses, por exemplo), vasos de jardim e tantas outras peças utilitárias, como assadores de castanhas. A mudança dos hábitos de cozinhar, a falta de tempo para cuidar da casa e a oferta massificada que tomou conta dos hipermercados ditaram, enfim, a quebra na procura até hoje.

Joaquim percebeu então que tinha de começar a apontar agulhas para mercados, feiras medievais e festivais de sopas, estes especialmente bons para vender tigelas personalizadas. São um campeão de vendas, com até 400 nomes disponíveis, conforme se viu na banca que a olaria teve este ano na Feira de Sant’Iago. Por outro lado, o advento do turismo veio também dar um contributo. Os turistas que visitam a cidade adoram levar para casa os barquinhos a dizer “Setúbal”, por exemplo. Na cidade, essa e outras peças vendem-se nos Paços do Concelho, Moinho de Maré da Mourisca, Mercearia Confiança do Troino e Casa da Baía.

ALEX GASPAR

A nova procura de mercado obriga o oleiro a ser inventivo e a idealizar peças que vão ao encontro das necessidades dos clientes, daí estar a fazer, agora, potes para guardar e servir azeitonas. Em pensamento está também a ideia de criar um espaço que funcionasse como loja e oficina no centro de Setúbal, para dar a conhecer este ofício que tanta gente desconhece, ou, no caso dos mais novos, nem sabe que existe. “As pessoas não sabem e não dão valor ao facto de terem uma olaria em Setúbal”, lamenta Joaquim. Mas agora já sabem que ela existe e que está de portas abertas.

Texto André Rosa
Fotografia Alex Gaspar

 

André Rosa
Jornalista
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