26 Abril 2024, Sexta-feira
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Uma ponte para a Outra Margem

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Uma ponte para a Outra Margem
Francisco Correia -Historiador
Francisco Correia -Historiador

Inaugurada há 20 anos, no dia 29 de Março de 1998, a Ponte Vasco da Gama tem um traçado semelhante ao dos projectos de Miguel Pais, de 1876, e do Ministério de Duarte Pacheco, de 1934.

Miguel Carlos Correia Pais nasceu em Lisboa, em 1825, e morreu na mesma cidade, em 1888. Licenciado em Engenharia, tenente-coronel do exército, Miguel Pais é autor do primeiro projecto de ligação ferro-rodoviária entre as duas margens do Tejo, entre Lisboa e a então Aldeia Galega do Ribatejo, datado de 1876.

Em 1879, são publicados a memória descritiva e os desenhos esquemáticos desta mesma ligação: Ponte sobre o Tejo, próximo a Lisboa (Lisboa: Tip. Universal, 1879). Neste documento, são apresentados dois argumentos para a localização da ponte, em comparação com a outra proposta existente na altura: a mesma ficaria fora do alcance da artilharia costeira e neste trajecto poupava-se entre 20 a 30 quilómetros na viagem para sul.

Também no século XIX, Aldeia Galega viu o seu nome figurar como estação inicial da primeira linha de caminho-de-ferro a sul do Tejo, na primeira das propostas de construção lavrada pelo Conselho Superior das Obras Públicas, numa consulta datada de 19 de Abril de 1854, proposta posteriormente aprovada, em 7 de Agosto do mesmo ano, mas partindo, em vez de Aldeia Galega, do Barreiro.

Miguel Pais foi, igualmente, o grande obreiro da construção da estação do caminho-de-ferro do Barreiro e o futuro chefe de movimento da linha de caminho de ferro Sul e Sueste, linha essa que, em 1861, já chegava a Vendas Novas.

Em meados do século XIX, Aldeia Galega do Ribatejo sobressai, igualmente, em termos demográficos, no conjunto dos concelhos da margem sul, ocupando a sua 3ª posição, depois de Setúbal e de Almada, razão para ser sede de uma das 3 Comarcas da Região.

Assinalou-se, neste ano de 2018, o 20º aniversário sobre a inauguração da Ponte Vasco da Gama, oportunidade para se comemorar o já multissecular relacionamento entre as gentes do sul e a capital do país, através do cais da antiga Aldeia Galega do Ribatejo.

E esta função de ponto de transbordo de passageiros e mercadorias que se deslocavam para e de Lisboa, ocupada por Montijo, antiga Aldeia Galega do Ribatejo, tem mais de 770 anos.

Já em 1248, este local do Montijo, actualmente ocupado pela Base Aérea nº 6, é mencionado em documentação, e nela se refere a existência de um hospital neste mesmo local, proporcionando aos viajantes, para além de abrigo, alguma assistência médica, antes de seguirem as suas viagens.

E ao longo destes séculos, Aldeia Galega do Ribatejo, actual cidade do Montijo, viveu, desde sempre, numa posição geográfica privilegiada nas comunicações da capital do país para o sul e, mesmo, para a Espanha. O primeiro serviço postal público foi aqui sediado, no ano de 1533, para servir esses mesmos destinos. E, já no século XIX, o próprio serviço público de transportes segue a mesma via de Aldeia Galega do Ribatejo até à fronteira de Elvas, através da chamada Mala-Posta do Alentejo.

Por esta também chamada “estrada real” passou e por Aldeia Galega pernoitou, no século XVII, concretamente de 5 para 6 de Outubro de 1640, o Duque de Bragança, na sua viagem para Lisboa, a fim de ser coroado rei, com o nome de D. João IV.

Com a inauguração da ponte Vasco da Gama, há 20 anos, repôs-se a verdade histórica e recolocou-se o actual Montijo na sua antiga posição geográfica estratégica nas comunicações de e para a capital.

A minha expectativa é que, depois da portuária e da rodoviária, o transporte aéreo possa, também, marcar, presença nesta região, na freguesia de Canha, concelho do Montijo, no chamado “Campo de Tiro de Alcochete”, para o desenvolvimento desta região e do país.

E a minha convicção é que a área da actual Base Aérea nº 6, o antigo lugar do Montijo, onde, em 1248, servia de local de embarque, estalagem e hospital, proporcionando local de albergue e assistência para quem se deslocava de e para Lisboa, não é o local mais apropriado para uma estrutura aeroportuária, em pleno século XXI.