20 Abril 2024, Sábado
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Pôr o carro à frente dos bois

Pôr o carro à frente dos bois
Manuel Henrique Figueira - Munícipe de Palmela
Manuel Henrique Figueira – Munícipe de Palmela

De que serve termos as coisas grátis se elas não existirem?

 

Caro leitor, o ditado popular «pôr o carro à frente dos bois» (que critica a inversão de prioridades) é irmão gémeo da «rotina», primo do «deixa andar» e da «incúria», que são a família amada da «burocracia». A presença frequente destas indesejáveis personagens no modo de funcionar de muitas instituições públicas (e privadas) é fruto de uma cultura organizacional que reflecte pouco sobre o que faz bem (para fazer melhor) e sobre o que faz mal (para não repetir). Esta detestável família é responsável por muitas carências básicas ainda por resolver.

Uma é o transporte público (em especial, o comboio), preterido pelo particular, devido à opção errada pela rodovia, tomada e prosseguida desde a entrada na CEE, em 1986. O resultado é a escassez da oferta e a degradação da qualidade do serviço público prestado. E há ainda o potencial instalado de oferta não usado (p. ex. na Fertagus). Por fim, temos uma gestão caótica da bilhética (bilhetes e passes: só na Área Metropolitana de Lisboa há sete mil) e os preços desincentivadores.

Com décadas de atraso, este grave problema mereceu, recentemente, a atenção do Governo, autarcas e comunicação social. Mas ele tem duas faces: a oferta de meios de transporte e a bilhética. Como de costume, pôs-se «o carro à frente dos bois», a partir de Abril haverá redução do preço dos passes e do exorbitante número de títulos de transporte, mas não haverá mais oferta de meios de transporte.

A escassez de oferta cabe aos Governos resolver, mas as Câmaras podem (e devem) pressioná-los para apressar a solução (agora até vão ajudar financeiramente na redução do preço dos passes): mas durante décadas pouco ou nada fizeram.

Dou quatro exemplos da nefasta acção das cinco indesejáveis personagens de que falo no início: sobre os Governos, as autarquias, as empresas privadas e até as pessoas singulares. Não se melhora o que há, mas promete-se o que não resolve os problemas ou o que não se pode dar:

1.º ─ Sobre a escassez do transporte público (em especial, o mais ecológico: o comboio), falei pormenorizadamente em «Autarquias: mobilidade local e regional (…)» ─ https://www.diariodaregiao.pt/author/manuel-henrique-figueira/ ─ não me vou repetir, o leitor pode copiar o link para o browser do computador e ler. Deixo apenas mais uma nota da sobrelotação nas horas de ponta: há dias, um meu familiar não conseguiu sair do comboio da Fertagus, no Pragal, saiu em Campolide. E quando a redução do preço dos passes levar mais pessoas ao comboio? Só sairá em Roma-Areeiro? Ou nem conseguirá entrar nele?

2.º ─ O autocarro 767 (Setúbal-Palmela-Azeitão) sai da EN-252 e, mal entra no Bairro Padre Nabeto, inverte a marcha e continua a viagem. Mas podia atravessar o resto do bairro, as novas urbanizações de Aires (Palmela Verde, Urbiaires, Jardim de Aires), Quinta das Oliveiras e Cabeço Velhinho, e retomar a EN-252 na Volta da Pedra-Intermarché. Mas não é possível porque falta ─ há vinte anos ─ o troço final de duzentos e cinquenta metros da Av. Joaquim Lino dos Reis (que a ligará à Rua de Aljubarrota), essencial também para a mobilidade em Aires. Mas em 2018 a Câmara não executou sete dos quarenta e três milhões de euros do orçamento. Assim, o autocarro de pouco serve esta zona. E pensar em novas carreiras é um sonho.

3.º ─ Os autocarros 447 e 454, que vão à Estação de Palmela, nalguns horários chegam poucos minutos antes do comboio, deixam os passageiros e partem de imediato. Os passageiros que chegam que voltem para casa a pé.

4.º ─ Em Outubro, a Assembleia Municipal de Palmela aprovou a recomendação de um partido da oposição para a Câmara pagar os passes a estudantes e idosos (não referia se era para todos: dos ricos aos pobres). Conhecerão todos os autarcas a realidade do concelho?

Nós até podemos ter as coisas grátis, mas de que nos serve se elas não existirem? Portanto, primeiro, deve-se conhecer e melhorar o que existe, depois, fazer contas, no fim, prometer o que se pode e é justo dar.