26 Abril 2024, Sexta-feira
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Acesso às praias da Arrábida: ver para crer, como São Tomé

Acesso às praias da Arrábida: ver para crer, como São Tomé
Manuel Henrique Figueira - Munícipe de Palmela
Manuel Henrique Figueira – Munícipe de Palmela

 

O acesso às praias da Arrábida foi um caos desde há anos, com carros nas bermas e faixas de rodagem da única estrada de acesso (tanto de Setúbal como de Azeitão), em clara infracção de trânsito e impedindo a circulação de autocarros, outros carros e viaturas de socorro (bombeiros e ambulâncias).
Os responsáveis foram incapazes de alterar a situação: os autarcas, sem planos para regular o acesso, por medo dos efeitos eleitorais, pois são eleitos pelos munícipes, a esmagadora maioria de quem usa as praias; os polícias, ou por falta de enquadramento para agir ou de ordens superiores, não puniam muitas infracções, mas puniam algumas, numa actuação globalmente injusta, incoerente e ineficaz. A complacência com uma situação de grave infracção, que a normalizava e comprometia a segurança, resultava da aparente impossibilidade de contrariar os maus hábitos de todos nós, mesmo os que têm consciência da irracionalidade e insustentabilidade da mobilidade em carro particular, maus hábitos que se tornaram inevitáveis e naturais.
Todos sabemos que (neste caso e no resto do país) a oferta de transporte público tem sido (e ainda é) uma caricatura de um verdadeiro serviço público, porque o transporte público é prisioneiro de uma causa-efeito do tipo beco sem saída: não há mais transporte público porque escasseia a procura (e é demorado nos percursos), por isso se recorre ao carro particular (mais cómodo mas viciante no seu uso), mas quantos mais carros particulares há menor é a fluidez da circulação (além de outros custos sociais, por exemplo, na saúde, com a poluição).
Apesar deste panorama desolador, aparentemente irresolúvel, há dois anos a Câmara de Setúbal, numa atitude de grande coragem, contra quase todos (o comodismo é enorme e contesta-se todas as medidas tomadas, ao mesmo tempo que se reclama que se tomem medidas: numa incoerência sem limites), meteu mãos à obra e a situação começou a resolver-se. Houve o habitual folclore contestatário: Petição Pública, toalhas de praia na Praça do Bocage e Facebooks. Os contestatários só não dizem como haverá acesso universal e irrestrito de carros particulares às praias num espaço tão limitado: talvez arrasando a serra e criando um gigaparque de estacionamento servido por uma autoestrada?
Este ano, com a feliz coincidência da implementação do PART (Programa de Apoio à Redução Tarifária dos Transportes), que simplificou e universalizou os passes intermodais baratos, o PAP (Plano de Acesso à Praias, de 15/6 a 15/9) continuou e foi um sucesso. Chega-se às praias por um custo e num tempo muito aceitáveis (e é preciso contar o tempo do percurso de carro até se estacionar e as infracções cometidas para o fazer, o gasto de gasolina, além dos riscos de se impedir a circulação das viaturas de socorro (bombeiros e ambulâncias). Acabou o caos na estrada e o transporte público, as autoridades e os meios de socorro circulam normalmente.
Para falar com conhecimento de causa, fui ver para crer. Parti da Estação do Bonfim às 09:50, num Domingo, e cheguei à Figueirinha às 10:17. Não paguei bilhete, o passe de €20 permite-me viajar em todos os transportes nos 18 concelhos da Área Metropolitana de Lisboa (no que considero ser a mais profunda e socialmente justa medida do actual Governo, com a participação de todas as Câmaras, essencial para alterar o actual paradigma insustentável da mobilidade urbana e interurbana: desde que se actue do lado da oferta, claramente insuficiente). E quem não tiver passe tem bilhetes a €1 ou €1,79 por viagem.
É sempre possível, com um espírito de abertura, melhorar as insuficiências do PAP, depois de avaliada a implementação; talvez aumentar o número das actuais 6 carreiras de autocarros? Mas a maior insuficiência que vi foi a reacção inicial (e continuada) de contestação dos partidos da oposição, pretensamente em defesa dos utentes das praias, sem apresentarem verdadeiras alternativas (embora alguns se tenham rendido às evidências). Porque, na lógica perversa dominante na cultura política, que todos praticam, a oposição não pode aceitar, muito menos elogiar, uma medida de um executivo autárquico ou nacional de outro partido: uma tristeza.