26 Abril 2024, Sexta-feira
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Obrigado, Palmela! Obrigado, Cultura!

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Obrigado, Palmela! Obrigado, Cultura!
Álvaro Balseiro Amaro - Presidente da Câmara Municipal de Palmela
Álvaro Balseiro Amaro – Presidente da Câmara
Municipal de Palmela

 

Neste momento particularmente desafiante da História, a civilização contemporânea parece encontrar-se numa encruzilhada clássica de caminhos: de um lado, o retrocesso revanchista, bélico, contra a diversidade, populista e de frases feitas, procurando atingir os valores universais alcançados; do outro lado, o caminho progressista, dos que não prescindem do percurso ético como base para a dignidade da condição humana, que inscreve o mundo dos direitos, da constante evolução e transformação e, em última análise, a aspiração das comunidades a serem mais felizes pelo valor que em si encerram.

O Concelho de Palmela, com mais de 800 anos de História, é um território justamente orgulhoso de todos os seus legados e diferentes vocações, da vitivinicultura ao turismo, do património à gastronomia, da indústria à inovação, do desporto às artes. Vocações que tem sabido potenciar e transformar em fatores de desenvolvimento, diferenciação e atratividade. É na conjugação estratégica de todas estas valências e na criação de redes sólidas de parceria que Palmela tem construído e posicionado a sua marca e um tecido económico diversificado e resiliente, porquanto assente, em grande parte, nos seus valores endógenos.

Não seria totalmente verdade dizer que nos surpreendeu o artigo de Manuel Henrique Figueira intitulado “Obrigado, UNESCO: os munícipes de Palmela agradecem”. Os seus pressupostos seguem a linha de pensamento a que já nos habituou, focada em dois ou três tópicos da sua predileção e sem visão para o panorama global de um Concelho imenso e de transição entre os mundos rural e urbano, o que acarreta múltiplos desafios e enorme riqueza. Também não é novidade a forma como, sistematicamente, desvaloriza o trabalho desenvolvido pelo Município, com recurso a argumentos pouco factuais e, até, com graves incorreções, que concorrem para a desinformação do público. Neste mesmo artigo, por exemplo, logo no primeiro parágrafo, afirma-se que “neste devaneio – a Câmara propunha-se gastar um milhão de euros nos próximos 4 anos”. Adjetivações à parte, um milhão de euros é o valor efetivamente previsto no Plano de Ação a 4 anos que, como diversas vezes afirmado, vai concretizar-se, já a partir deste ano, e que conjuga múltiplas iniciativas na área da música, desenvolvidas e financiadas quer pelo Município, quer por vários parceiros, instituições e empresas mecenas que se reveem neste objetivo.

O que verdadeiramente surpreende é a forma que poderemos considerar, até, ofensiva, como Manuel Henrique Figueira se refere ao riquíssimo movimento associativo cultural e à tradição musical deste Concelho. É uma afronta a tantas gerações de músicos e ao bom nome, história e património de trabalho de todas as instituições, festivais e eventos (apelidados de “delírios culturais”) e artistas que se envolveram nesta candidatura e que nela continuam a investir. Só por desconhecimento ou desonestidade intelectual se pode resumir o processo de candidatura à Rede de Cidades Criativas da Unesco na área da Música no parágrafo “como não viram que meia dúzia de sociedade recreativas, com pequenas bandas e escolas de música, o Museu de Música Mecânica e alguns concertos não ganhavam o galardão”. Quem faz uma afirmação destas, não conhece este Concelho. Visite as nossas Filarmónicas centenárias, com as suas bandas, corais, grupos de jazz, escolas de música e qualidade reconhecida internacionalmente. Visite o nosso Conservatório Regional, a Orquestra Nova de Guitarras, a Orquestra de Percussão do Bardoada e as centenas de alunas/os que ali fazem a sua formação. Participe nos festivais e atuações da nossa dezena de ranchos folclóricos adultos e infantis, que perpetuam a tradição e a etnografia do mundo rural. Assista aos Encontros de Cante Alentejano dos grupos do Concelho, conheça os nossos Círios, contacte com os grupos de música moderna e com os músicos, maestros e compositores que tanto nos orgulham e que continuam a acrescentar valor a este território.

Na Câmara Municipal, estamos bem cientes da nossa responsabilidade para com este património cultural – e outros, como a profunda ligação à Ordem Militar de Santiago, à Arrábida, à presença de diversas culturas no território ao longo dos séculos, ao universo da vinha e do vinho – e não ficamos reféns de visões economicistas e pouco esclarecidas sobre desenvolvimento.

E neste contexto, só mesmo por má-fé ou desatenção se pode referir que não existe investimento na vitivinicultura e no enoturismo. Aos níveis nacional e internacional, o Município continua a desenvolver trabalho técnico e político para levar, cada vez mais longe, o nome dos nossos produtos, para valorizar este imenso património, para acompanhar a ambição dos nossos produtores e para posicionar Palmela no centro do mundo vinícola. Noutros setores de atividade, seria ingénuo acreditar que a centralidade do Concelho justifica toda a sua atratividade. Há um intenso trabalho de bastidores, na criação de incentivos, contactos, aconselhamento e agilização administrativa, que tem favorecido a instalação e ampliação de investimentos de interesse estratégico nacional, cujos resultados apresentaremos em breve.

Mas se quisermos falar de Cultura, também numa perspetiva económica, em análise do Anuário Estatístico de Palmela de 2016, o número de organizações do Terceiro Setor no Concelho oscilou entre as 157 e as 171, sendo que mais de metade das organizações (56,1%) pertence ao grupo Cultura e Lazer. Milhares de ativistas culturais, centenas de alunas/os e artistas e dezenas de estruturas criativas fazem parte, diariamente, da comunidade deste Concelho. A Cultura produz riqueza e deve ser vista, também, como parte integrante de uma estratégia de atratividade turística e dinamização e diversificação da economia.

Compreender esta opção do Município é entender a Cultura como património comum e assumir a responsabilidade de sublinhar os direitos culturais como indissociáveis dos Direitos Humanos. O combate à pobreza, a participação da comunidade nos destinos do seu território ou o equilíbrio ambiental não estão dissociados do acesso à educação e do conhecimento dos valores culturais. A Cultura é hoje, e finalmente, reconhecida pelas principais organizações mundiais como quarto pilar do desenvolvimento sustentável, pelo seu papel na defesa da Paz e do Desenvolvimento. Direito constitucionalmente consagrado (art.ºs 73 e 78) em Portugal, num dos articulados mais progressistas da Europa, a Cultura integra, também, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, em conexão com a Educação e a criação de Cidades e Comunidades Sustentáveis.

A partir das sugestões da Unesco, que nos incentivou a reapresentar a candidatura em 2021, continuaremos a ampliar os objetivos, o plano de promoção e o processo “Palmela é Música”, apostando na internacionalização, por valores partilhados. E continuará o Município de Palmela a investir, como faz há décadas, nas escolas de música, no apoio aos projetos das estruturas culturais, na criação artística, na valorização dos nossos artistas, nas múltiplas ações programadas pelos atores locais ou em parceria. O investimento na Cultura é assumido, devido, merecido, e a encruzilhada de que falava no início não admite hesitações nem neutralidade… exige-se uma escolha e cada escolha acarreta responsabilidades e conduz a um caminho. Esta é a nossa escolha e estamos confiantes na caminhada à nossa frente.

Obrigado, Palmela! Obrigado, Cultura!