27 Abril 2024, Sábado
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Frei Agostinho da Cruz e a Meditação Contemplativa

José Augusto Vinagre

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Devemos ser a mudança
que queremos ver no mundo
(Gandhi)

Quem visitar o convento da Arrábida depara-se com escultura de monge sobre globo, braços em cruz, olhos vendados, boca e peito fechados a cadeado, significando a entrega ao «desprendimento da vida transitória», «subida trabalhosa para o céu» (Introdução das «Poesias»); «mais longe da terra», como escreveu o místico arrábido Agostinho da Cruz nas suas ‘Endechas’. As grutas dos eremitas arrábidos e suas estreitas celas são prova do ‘renascimento’ a que se submeteram esses contemplativos da serra «fermosura» (206;47) , sendo as «Poesias» do místico testemunho desses «Ermitaens entregues só ao Creador» (‘Chronista’). A opção eremítico-ascética tomada na Arrábida, no séc. XVI, é i) herdeira da ação ascética surgida no séc. III com os «Padres do Deserto», ii) continua a tradição monástica medieval europeia e iii) enraíza nas práticas ascéticas do Oriente espiritual indiano, marcada pela presença de grutas e eremitérios de devotos «monos» (sozinhos). Em torno das poesias do místico, tentaremos traçar pontos de contacto da penitência arrábida com a meditação.

Para Mathieu Richard («Arte da Meditação») o nosso distanciamento da meditação vem do facto de considerarmos i) os nossos defeitos inelutáveis e ii) o nosso disfuncionamento um facto adquirido no circulo vicioso mundano: «Fico fora de mim/ De ver sobre que fiz meus fundamentos» (35;105), reparou Frei Agostinho. Desimpedido, no seu deserto, «aqui neste degredo» (245;114), Frei desenvolveu a ‘visão clara interior’: na Arrábida vê o Sol «mais claro, mais dourado» (5;103), a «clara luz vez» (215;113), disse, discernindo outra ‘realidade’, fora do carácter transitório das coisas, pois da natureza se retira «mil segredos» e dela mais se aprende que de outras «ensinar querendo falando» (30;104). E, assim neste lugar propício à meditação contemplativa, o monge, integra em si a consciência, sua verdadeira natureza: somos imagem e semelhança de Deus (‘todo’): somos ‘natureza perfeita’ integrada na consciência plena (‘todo’), – até com os sentimentos do Sol e da Lua (38;61); pois somos uma presença «Que tudo abarca,/ Sem fronteiras nem direcção» (Shaktar). Assim entramos na ‘visão profunda’ fora do mundo «vão que enlêa a vida» e piora a alma (80;90) e assim descobrimos a ‘impermanência’ como as águas do rio que se convertem (85;38): a Alma entra na ‘sabedoria cósmica’ e vê o Deus radioso… aponta Leeming, autor de «Yoga e Biblia», considerando semelhanças entre os ensinamentos espirituais básicos, apresentados na Bíblia cristã e o Ioga, na busca da união com o Senhor através do Amor.

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A opção eremítico-ascética que os irmãos arrábidos, como Agostinho, seguiram aqui, «donde mais leve se caminha» (215;45), onde os pés nus na pedra dura nem «deixam ouvir, nem ser ouvido» (370;54), é ‘dharma’ (caminho) da contemplação («sintamos os nossos passos» – Thich Nhat Hanh) que se distância dos «inimigos da alma: mundo, demónio e carne» (55;61). Esta atitude trouxe maior entendimento aos monges e consciência sobre o valor da vida, natureza efêmera das coisas e o que evitar pela calma, concentração, amor/compaixão,… (M. Richard): Estes ascetas aposentados no deserto arrábido (620;132) foram municiando seu espírito com «amor em fogo ardente» (590;131), qual amor crístico de coração em chamas, – «Ardam os corações» (100;107) -, esse fogo «que desfaz tudo em pureza» (480;81), o ‘calor mágico’ do «Riga-Veda», transcendência e saída do profano (M. Eliade, «Patañjali»), com consciência tão plena e piedosa, – «quase já não sei temer vingança» (45;61)- , sinal de libertação, queimando seu ‘carma’, «nos ombros da minha alma, minha cruz» (85;147), ou ‘lei do destino’, qual paralelismo bíblico-oriental exposto em «Yoga e Bíblia»: «Passou da morte para a vida», disse Jesus (João 5:24), pela «lei da semeadura» (Gálatas 6:7): causa e efeito, reencarnação, roda dos nascimentos.

Consciente desta ligação Ioga-Bíblia o clérigo Déchanet, autor de «Ioga para cristãos», defende a aplicação das posturas orientais iogues ao monaquismo cristão, ou seja «uma aplicação prática da redenção do corpo», – a «minha redenção» (364;120) -, através de uma meditação silenciosa com a oração do ‘coração de Jesus’, presente nos «Relatos de um Peregrino Russo» e «Filocalia», ambos com apontamentos contemplativos greco-russos dos sécs IV-XV. A ‘oração de Jesus’ pertence à história remota do monaquismo, tem repetição incansável e identifica-se com o sopro, pelo menos desde o séc. VIII: «Uni a oração de Jesus com a respiração», aconselhou Hesíquo da Sarça.

Assim, os contemplativos arrábidos vão-se libertando e conseguem a «subida da alma» ou «segundo nascimento», como relatam os «Duaya Janma» e encontram Deus, esse mundo radioso, pois «nunca que tarde» (30;60) para contemplar Deus: «mantimento, contentamento» (46-48;145). Para Déchanet a postura do lótus «repetindo o nome do Senhor em cadência com as batidas do coração» trazem a entrega a Deus, fazem, escreveu Agostinho da Cruz, um «coração arder um Credo» (245;114), favorecendo a atitude mental e «prolongando a acção de graças até à noite» (Déchanet). Ideia próxima do que defende M. Eliade, para quem o Cristianismo fez seus alguns métodos de yoga, meditação e oração pela vigilia, jejum e respiração. Esta descoberta de Deus, pelas «celestes vias» (554;129), esta libertação dos pensamentos errôneos é a ‘Revelação súbita’ do «zen», realizando ‘dhyana’ (cessação de pensamentos inquietantes) e ‘samadhi’ (contemplação, fora de tudo) explicada na obra «Mestres Zen»; nesta revelação os eremitas arrábidos atingem a ‘vacuidade’, o ‘nada’: «não quero nada» (175;111), versa Frei, pois o «céu banha» (310;118) e ao atingir céu/vazio/ Todo/Deus) se descobre a impermanência das coisas e se «dá sepultura à vida» (440;124) e só se colhe no céu (475;127) «verdadeiro lugar» (75;37), da vacuidade: Eis a paz do céu: ‘nirvana’( extinção mental dos fenómenos): «Nirvana é Paz» (D.Janyang Khyentse).

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Tal como os do oriente, onde os ascetas se refugiavam em lugares que nomeavam de maravilhosos, – o grande iogui Milarepa chamou à sua gruta «Palácio» – , «lugares propícios» à meditação sublinha M. Richard, os arrábidos descrevem suas austeras grutas na poesia como «fermosos aposentos» (260;115), «Donde comigo só» (270;116), «de todo despedido» (refugiado) (250;115). Até a referência de Agostinho às visitas dos «meus bichinhos» (563;130) transmite um quadro ascético oriental, dos grandes mestres iluminados rodeados de animais. Aí, na Arrábida, a comunidade ascética praticou e se encaminhou «Da terra para o céu» (63;106), «verdadeiro lugar» (75;37), a «meditar» (105;108), procurando uma «nova vida» na Serra (206;45), «através da carne, até Aquele que está para além da carne» (S. Agostinho). Contemplar, respirar e lançar o mantra Jesus pois, «O controle do sopro é inseparável da oração», repara Déchanet, tal como Sinaita (séc. VII?) e outros, envolvendo desprendimento de impressões, com o espírito pelas narinas, e respiração unida ao nome de Jesus.

« Se for certo que a energia da besta interior reside na região umbilical, por que não colocar lá, bem armada de oração, a lei oposta? » – Gregório Palamas (séc. XIV). Foi isso que os ‘bodhisattvas’(seres iluminados) monges arrábidos fizeram através da oração e meditação contemplativa, alcançando a unidade corpo-espírito para ‘vencer a morte’ e tornar o ‘corpo divino’, como no hatayoga (séc. XII) (M. Eliade); afinal procurando uma alma «pura e limpa de Pecado» para merecer «ir para o Céu» – nirvana (315;51).

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